Quando ejacular em alguém é moralmente absurdo, mas que não é nada perante nosso Código Penal


Na terça-feira, 29 de agosto de 2017, fomos surpreendidos pela notícia de que um homem ejaculou em uma mulher dentro de um ônibus, à tarde, na avenida Paulista, na cidade de São Paulo. Literalmente: o esperma dele foi ao encontro de uma mulher que ele desconhecia. Tal fato poderia ser equiparado a um estupro? 
Explico: com a alteração do artigo 213 do Código Penal Brasileiro (CPB), em 2009, qualquer ato libidinoso que seja forçado, ou
seja, que o agressor use de violência e obrigue a vítima a realizar, é estupro.
 Sendo advogada da área cível, entendo que a lei pode ser interpretada de maneira abrangente, e que a violência descrita no artigo 213 do CPB não é apenas física, mas também moral.
Entendo também que, mesmo a vítima não tendo realizado qualquer ato, ela foi obrigada a satisfazer a lascívia do seu agressor.
Apenas por estar naquele local, naquele momento. E também correu o risco de adquirir infecções sexualmente transmissíveis, uma vez que ficou exposta ao fluido corporal de um desconhecido
A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º diz: ‘Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito’. O Código Civil Brasileiro, portanto, permite uma interpretação mais abrangente da legislação.
De forma que havendo uma lacuna legal ao juiz é permitido interpretar e preencher tal lacuna.
Por outro lado, ao tratar-se de lei penal, não há texto legal que autorize interpretação abrangente. O juiz deve aplicar a lei em sentido literal, sendo essa a maior garantia do estado democrático de direito. No Brasil, não é permitido o judge-made law, que quer dizer ‘norma construída pelo juiz’, situação válida e aplicada em países em que o direito é consuetudinário: o julgamento de casos reais torna-se lei e deve ser aplicado em todos os casos semelhantes subsequentes.
No caso do ônibus, o homem masturbou-se e ejaculou em uma mulher.
Leigos enxergam tal ato como estupro. Ocorre que o texto do artigo 213 do CPB diz: ‘constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso’.
Na lei, o verbo constranger, na maneira em que é empregado, significa ‘obrigar a, compelir, coagir’. Ato contínuo, a lei exige que tal obrigação seja violenta ou que se empregue uma ameaça grave à vítima.
No caso em discussão, nota-se que a vítima não foi obrigada a nada, e não participou do ato que resultou a ejaculação. Por isso, não se pode dizer que houve o estupro.
Quando o juiz disse não haver constrangimento, ele não entendeu como um não constrangimento da vítima, no sentido de sentir envergonhada e revoltada.
Também não significa que, para o juiz ou para a lei, a ofensa moral não exista ou como defesa do agressor por parte do juiz ou da lei.
Infelizmente, ele é obrigado a aplicar a lei de contravenções penais, que é branda demais para um ato nojento e, podemos dizer, perigoso, já que expõe a vítima ao risco de contágio de doenças.
Com a alteração dos crimes sexuais em 2009, a punibilidade ao crime de estupro tornou-se mais rígida e envolve todo e qualquer ato libidinoso, o que é muito bom.
O problema dessa rigidez legal é em atos praticados à distância, de maneira a agredir moral e psicologicamente deixam o agressor impune, o juiz é obrigado a aplicar a norma de contravenção penal, de modo que tal pessoa seja solta em sociedade.
Dessa maneira, apesar de discordar moralmente da decisão que resultou na soltura do agressor, sou obrigada a concordar tecnicamente com ela, de forma que o estado democrático de direito seja resguardado.
O que devemos é implorar que a sociedade busque, com esse caso, a mudança e preenchimento de lacunas no CPB.

*Fernanda Prado Sampaio Calhado é advogada, casada e mãe, e tem como objetivo criar suas filhas para o mundo com a fé de que assim criará um mundo melhor para as futuras gerações.

Texto Extraído de: http://www.paupraqualquerobra.com.br/2017/09/02/ejacular-alguem-moralmente-absurdo-nao-nada-perante-codigo-penal/